sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Cansaço

Seria um colar de contas partido ao chão?

Seria um ciclista magro, subindo a ladeira, assobiando uma canção?

Seria a cárie, a otite antes de dormir?

Seriam os calos, as dores nas pernas, as rugas, o faz-me-rir?

Seria o fio de cabelo, grisalho e encaracolado em minha sopa?

Seria a mesma sopa, fria, sem graça, sem sal?

Seriam as hérnias, os discos, os CDs, e tal e coisa e coisa e tal?

Seria o PC reiniciando, a goteira, o relógio quebrado em dez para as três?

Seria o bebê acordando às quatro e cinqüenta e seis?

Seria o cansaço de aço, do dia, da festa, da lida, da vida?

Seria a vida?

Se for, me canso até cansar.

Vento

Parecia ser mais uma daquelas tardes. Eu, a caminho do trabalho, barriga cheia, empanzinada daquele sono de depois do almoço. Na estrada, um coletivo e eu na janela, para refrescar as sensações. Começo minha leitura, minha melhor sobremesa. Embebida nas palavras doces de minha poesia predileta. E enquanto casa e pessoas passavam, sentia a vida sem pressa, calma, mas foi impossível continuar. Quando dei por mim, ele, indiscreto e impiedoso, me interrompeu acabando com todas as aquelas degustações.
Ele, um vento safado, ladrão. Carregou em seus braços cada um dos papéis. E aquelas rimas e métricas foram substituídas por uma lírica fresca, silenciosa. Uma maré de vento norte, levando ao sul um universozinho, meu universozinho. No balanço de minhas argolas, meu instante de existência ventava. Minhas palavras, meus silêncios, minhas contas a pagar, meu futuro de ai-meu-Deus. E ele, já não tão inconvenientemente, sorria de pirraça. Num discurso engraçado, amistoso. Não pude resistir. Daquela janela aberta, abri um sorriso infantil. Uma resposta sem palavras, um riso cúmplice. Cócegas que não paravam de ventar em minha barriga, agora, cheinha de felicidade. Um riso passava por mim e ventava as outras faces, do corredor às janelas, da frente a fora. A caminho do trabalho meus lábios secavam, e ele, o vento, beijava minhas emoções. Desmanchei-me em mais puro ar. Antes mesmo que chegasse minha parada, defenestrei brisamente. A vida é gratuita - ventaniei.