segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Por mais MARCOS que marquem

Confesso: fiquei meio desconfiada quando li, dessa vez com mais atenção, sobre o tema Marco Civil da Internet (MCI). Minha primeira impressão sobre o tema vem daquela velha experiência de viver em um país onde as leis quase nunca são cumpridas. Mas até aí tudo bem. Deixei de lado minhas rabugices e passei para as propostas do MCI. A boca entortou novamente.

É que dar de cara com a questão da preservação da privacidade na internet, direito assegurado pelo MCI, me traz velhas desconfianças. A de que, por exemplo, é preciso muito mais que leis para garantir a proteção dos dados do usuário. A começar pelo fato de que não existe uma educação do usuário para a preservação da sua própria intimidade na rede. Uma boa parte dos conectados às redes digitais levam sua vida como ela é para seus “amigos” virtuais. Dizem onde estão, o que fazem, com quem fazem, mostrando que a preservação da intimidade também é uma questão de cultura e educação digital. Por outro lado, é preciso ter em mente que a questão aqui também é sobre a preservação da privacidade do outro. Aí toda a lei ainda é pouca, ainda que a distância do que está escrito para a prática seja grande.


O mesmo penso sobre a questão da neutralidade de rede. Este outro tema abordado pelo MCI, me faz pensar que, por mais que existam leis que reprimam formas de discriminação ou favorecimento motivado por critérios “políticos, comerciais, religiosos, culturais ou outra forma de discriminação ou favorecimento”, sempre haverá uma forma de diferenciar os usuários da rede em categorias nas quais são privilegiados os mais abastados. Todavia, também penso que a inciativa é válida para acabar com os abusos que as prestadoras de serviço cometem em larga escala, mas, fato é que essa neutralidade (pelo menos em seu grau absoluto) é utopia.

Por fim, a inimputabilidade da rede no MCI prevê que aqueles que utilizam e prestam serviços na internet tenham deveres bem estabelecidos, responsabilizando civilmente aqueles que de fato cometeram atos ilícitos, e não terceiros. Bom mesmo seria se isso acontecesse fora das redes, mais especificamente no Senado, nos tribunais, delegacias... Bom seria se houvessem mais marcos na história do nosso país.

Tudo isso não quer dizer que eu não seja a favor do MCI (Contraditório ? Nem um pouco). Acho sim que todas essas iniciativas devem ir adiante, só acredito que as questões levantadas aqui, todas elas, devem ser observadas com acuro, com uma boa dose de pensamento crítico e um olhar holístico para a questão do uso da internet no nosso país. E que venham mais marcos civis. É tudo o que eu espero.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Quanto vale, ou a inclusão digital é por quilo?

Quando penso em inclusão digital lembro-me do filme “Quanto vale ou é por quilo?”, do diretor Sérgio Bianchi. Especificamente na cena em que o prefeito inaugura um infocentro com computadores superfaturados. Assim que os laços da inauguração são cortados, as crianças da periferia invadem o local colocando abaixo os PCs em uma cena marcada pelo alto teor de ironia.

 Ao que tudo indica, a atitude dos meninos foi sintomática. A dita “inclusão digital” que acobertava uma ilegalidade era rejeitada pelos meninos tachados de mal educados. A cena gerou em mim um incômodo, o mesmo que hoje a expressão inclusão digital provoca, pelo menos depois de ler os textos de Maria Helena Bonilla “Inclusão digital: ambiguidades em curso” e “Políticas públicas para inclusão digital nas escolas”.


Como a própria autora salienta, a utilização do termo inclusão digital esconde uma bem engendrada rede discursiva. Uma espécie de força tarefa, vinda de cima para baixo, em prol da igualdade? Talvez. A ideia de que o sujeito excluído é capaz de, desde que queira, apropriar-se do que lhe foi expropriado? Tudo indica
que sim. Como disse, uma bem engendrada rede discursiva. Nas teias dela, esconde-se uma visão reducionista de que basta tão somente um bom projeto de inclusão digital para capacitar a mão de obra, formar uma sociedade melhor, suprir demandas políticas e sociais muito mais complexas do que uma ação pontual. Façamos como os meninos de “Quanto vale ou é por quilo?”. Vamos por abaixo aquilo que nos incomoda... Calma, não me refiro aos PCs, mas às ideias pré-fabricadas em torno do jargão “inclusão digital” para dar lugar a uma reflexão mais madura sobre o tema. Assim, quem sabe, passamos a ter uma visão holística sobre o assunto, dando início a um debate que abarque questões como formação de professores, cultura digital e política. Mas, é preciso ter em vista que esta desconstrução demanda um esforço constante. Temos aqui um começo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Rossio o quê?!

O nome me é estranho, mas o espírito, não. O rossio, essa palavrinha que me fez entortar a boca para o texto “O rossio não rival” de Imre Simon e Miguel Said Vieira, tem o espírito de compartilhamento e liberdade velho conhecido nosso. Algo meio Canudos ou Novos Baianos... Essa ideia de espaço usufruído por todos, onde os sentimentos de posse são liquidificados, não me é nada estranho. Lembro- me de cara de Canudos, ou, para ser um pouco mais musical, lembro-me dos Novos Baianos, aquele bando de gente maluca que comprou um pedacinho de terra e fincou a bandeira da liberdade criativa, livre de pequenas disputas artísticas, onde tudo era decidido por todo mundo. Lá o usufruto era compartilhado e a liberdade (entre outras coisitas) era cultivada. Mas, imediatamente eu lembro: tanto Canudos quanto aquele pedacinho de terra dos Novos Baianos não subsistiu. E aqui que eu paro a analogia. Ao ler o texto de Simon e Viera, penso não ser mais possível ir adiante na comparação, pois o “verdadeiro” rossio não- rival é dinâmico e modifica-se a partir das particularidades individuais, por e para atender as necessidades coletivas. Daí eu penso que algo assim tão pujante não acaba. Vá lá que os motivos para o fim do arraial de Canudos não veio de uma reunião interna onde a maioria decidiu pelo fim da relação. Não, não foi uma espécie de reunião de condomínio. Não posso esquecer, obviamente, de toda a barbárie que marcou o fim dessa comunidade.
Por outro lado, também devo admitir que o fim da casa onde todo o grupo musical morou por um tempo se deu por motivos bem particulares. Todavia vamos ir além dessa questão. A ideia aqui é pensar o quanto as tecnologias digitais baratearam e ampliaram os rossios não-rivais, tornando-os cada vez mais populares, demandando um revisão política para a questão.
E mais uma vez voltamos aos nossos exemplos. A não compreensão do que é comum, a incompatibilidade de interesse, sobretudo político, fizeram, estes que aqui eu considero como rossios não-rivais, se extinguiram. O desafio é pensar sobre como as tecnologias dão suporte para a propagação e sustentação dos nossos atuais rossios não –rivais. E nesse engajamento sinérgico, vale de tudo: softwares livres, enciclopédias colaborativas, manifestações artísticas, “Prondé qui vão/ Vamos pro mundo”.