Hora de aprofundar um pouco mais nossa imersão ao estudo da cibercultura. Pra isso, dois textos estão se mostrando fundamentais para mim: “Estilos de vida digitais e a cibercultura como expressão cultural” de Erick Felinto e “Subculturas e Cibercultura(s): para uma genealogia das identidades de um campo” de Adriana Amaral.
Ambos os textos são muito bons, porém, confesso que me identifiquei mais com o primeiro. Pra mim, esse texto se mostrou um convite a olhar de um modo desautomatizado para a cibercultura, para o que se diz dela e sobre ela. Primeiro porque não podemos encarar os discursos em torno das novas tecnologias como um uníssono. Pra onde viramos, ouvimos “o louvor à inovação” ligados ao mundo cibercultural.
Pois, está aí uma pergunta que eu nunca me fiz: o que há de velho no novo das TICs? As significações em torno das novas tecnologias são tão transparentes que nunca nos questionamos sobre isso... Aliás, essa é a tarefa de um analista de discurso que se preze... Pensar nos sentidos já dados e desautomatizá-los. Dá aos discursos transparentes sua devida opacidade.
O que eu nunca parei pra pensar, pelo menos até agora, é que a conservação também é um traço dos processos de transformação tecnológica. Mais do que isso, o autor nos faz questionar o próprio conceito de cibercultura. E de cara, podemos chegar a conclusão que <<<< A cibercultura é um processo bem mais vasto e complexo do que sonha nossa vã filosofia. >>>>>
Neste ponto da leitura, entramos em um labirinto com uma série de noções importantíssimas para entendermos essas “verdades”, entre elas que a cibercultura é um estado de coisas em que a convergência entre formas culturais e formas tecnológicas se explicita em grau máximo.
Mais adiante, em suas digressões teóricas, Felinto refere-se ao conceito de formação discursiva. Essa é a parte que mais me toca. Achei interessantíssimo pensar em formação discursiva neste contexto. É que esse conceito, tão caro à Análise de Discurso (AD) a qual me filio, diz respeito, nos limites teóricos da AD, a tudo aquilo que pode e dever ser dito partir de uma posição dada numa conjuntura dada. Ora, isso me faz questionar o que deve e pode ser dito sobre a cultura da internet? O que somos interpelados a dizer e fazer pela/na cibercultura?
Felinto ainda completa dizendo que “essa formação discursiva não envolve apenas discursos em sentido estrito, mas também práticas, objetos, imaginários e formas de sociabilidade”. Opa! O que talvez o autor não saiba é que (sim!) podemos pensar em discurso propriamente dito, afinal (dentro da AD, claro) discurso é efeito de sentidos entre interlocutores. Aí entram, implicitamente, as práticas, os imaginários e as formas de sociabilidade.
A essa altura do texto, uma visão completamente nova, pelo menos pra mim, nasce: o entendimento de uma dimensão discursiva da cibercultura e, no cerne desta questão, entram em embate o racionalismo e o romantismo.
De um lado temos uma narrativa da unidade, como a inteligência coletiva, do outro da multiplicidade a exemplo das redes telemáticas e comunidades virtuais. Para além destes dois pólos, fica a certeza de que pensar “ciberculturalmente” extrapola as classificações, afinal, suas barreiras são fluidas (olha Bauman novamente!) e acolhe todas as incertezas que são inerentes à própria condição humana.
O texto de Adriana Amaral mais parece uma continuação do de Felinto. Na procura de respostas sobre o que é afinal cibercultura, a autora propõe pensar tal definição numa perspectiva historicista. Neste sentido, parece que o texto vem preencher uma lacuna: o que mesmo de “velho” tem no “novo” da cibercultura? À primeira vista, estamos diante de possíveis respostas. Vamos a elas.
Primeiro, a leitura nos traz a noção de que a cibercultura é herdeira de diversas questões da modernidade. Daí podemos compreender que desde muito tempo, cultura e tecnologia são indissociáveis, que homem e máquina se relacionam em diferentes dimensões e ainda que as tecnologias digitais alimentam um imaginário refletido em produtos midiáticos diversos.
Esses produtos midiáticos estão por toda parte. A autora cita Gibson, que segundo ela, traz o conceito de ciberespaço com matrix, e aqui vai mais uma nova descoberta minha: a influência desse cara que nem conhecia e que já era fã em uma das minhas trilogias preferidas: MATRIX.
Do lado da teoria, no primeiro momento dessa cartografia ficaram os autores discutindo subculturas, cultura hacker, os ciberativistas, os primórdios das comunidades virtuais, etc. Anos mais tarde, em Reconhecimento de padrões, Gilbson traça um novo cenário: ao invés de uma perspectiva futurista, fica o cenário presente captado pelas redes, em uma visão de dependência recíproca entreon line e off line.
No que se refere à distribuição de conteúdos on line, Adriana Amaral destaca o papel das subculturas, em como os jovens buscam suas próprias identidades por meio das novas tecnologias. E esse processo de subjetivação, diga-se de passagem, não é novo.
Por falar em processo de subjetivação esse é o tema de meu mestrado. Agora, mais do que nunca, saber mais como os discursos contribuem para os homens se subjetivar é de grande interesse pra mim. E vejo que esse é um tema bastante profícuo para os intelectuais que estudam a cibercultura. Pensar como os estilos de vida, como as maneiras de ser e se comportar foram são criadas ou potencializadas com a disseminação das novas tecnologias. Mas o que meu trabalho e esses estudos têm em comum é pensar que as subjetividades são construídas por discursos. E isso não depende só do sujeito. Está muito além deles...
Um comentário:
Boa reflexão amiga, sempre temos que trazer a subjetividade, ela faz parte até das nossas concretudes. Abraço, Cássia.
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